Imprimir esta página

Prefeito José Carlos de Figueiredo Ferraz - 2007

José Carlos de Figueiredo Ferraz

(1971-73)Prefeito José Carlos de Figueiredo Ferraz

 A cobra estava muito feliz : não precisava mais se mover para conseguir alimento. Certo dia, apavorada, percebeu que comia a si mesma, pela cauda.

Em uma palestra proferida na Câmara dos Deputados dois anos após ter deixado a Prefeitura, José Carlos de Figueiredo Ferraz usou este trecho de um conto caboclo como uma imagem do que considerava ser o destino das grandes cidades brasileiras, caso não se atentasse para um planejamento racional.

Ele se referia ao crescimento explosivo das metrópoles brasileiras, especialmente São Paulo, descuidadas com o aspecto qualitativo que o progresso deve ter. E confundir qualquer aumento quantitativo com "progresso" é uma armadilha fácil para a estagnação, ou mesmo para a decadência. E não era outra a tônica em voga durante o "milagre econômico" do governo Médici : a propaganda da ditadura militar fazia estardalhaço com os progressos aritméticos, como se as somas ou multiplicações fossem os únicos referenciais de avaliação da qualidade da existência humana.

Ao assumir a Prefeitura disse sobre a cidade : "Tudo em ti agora é grande, teus feitos e teus problemas. Tua riqueza e tua pobreza." Figueiredo Ferraz tinha uma autoridade enorme para questionar a ilusão dos números usados abusivamente pela tecnoburocracia da ditadura. Assim como Pires do Rio (consultar verbete) e Prestes Maia (consultar verbete), era um técnico renomado, professor da Escola Politécnica e dono de um dos melhores escritórios de engenharia da América Latina, responsável por diversas obras sofisticadas, entre elas o prédio do Museu de Arte de São Paulo na avenida Paulista.

Nos anos 50, quando Lina Bo Bardi idealizou o atual prédio do MASP na avenida Paulista, muitos profissionais de respeito duvidaram que fosse possível executar a obra, devido ao arrojado vão livre em concreto armado - o maior do mundo com seus 70 metros. Como o terreno destinado ao MASP era o espaço do antigo belvedere do "Trianon" da avenida Paulista, havia uma obrigação legal de deixar o andar térreo livre. Isto porque Joaquim Eugênio de Lima, o loteador da Paulista, doou este terreno para a municipalidade com uma cláusula que exigia a preservação da vista em direção ao centro.

Para atender esta imposição do doador, e não querendo abrir mão de seu projeto, a arquiteta recorreu a Figueiredo Ferraz, que não só aceitou o desafio, como também concordou em trabalhar de graça. Quando das comemorações do cinquentenário do MASP, em 1991, Ferraz confessou : "O projeto estrutural me parecia utópico, era uma concepção fora dos padrões normais, a desafiar os conceitos clássicos de segurança e estabilidade. Mas esta utopia se transformou numa contundente realidade - não sem exigir de nós um enorme esforço e uma dedicação ímpar. Afinal o sonho de Lina Bo Bardi se realizou no concreto que nós erguemos. A técnica se incorporou, como sempre, à arte, numa esplêndida simbiose de harmonia."

A mesma competência técnica de Figueiredo Ferraz o levou a enxergar objetivamente os problemas que ameaçavam o futuro da cidade. E para ele o automóvel era um desses problemas : "A princípio o carro surgiu como um instrumento discriminatório, como um testemunho de prestígio e poder, e assim se comportou por algum tempo. Depois socializou-se e agora é o agente da equabilidade, acessível a muitos e ambicionado por milhões." (...)

"No entanto, já de algum tempo vem incorrendo uma inversão : a submissão do homem ao automóvel, que de senhor passa a escravo. E este novo senhor é de uma voragem desmedida e de um apetite descomunal (...) Admitindo-se para o carro uma vida útil de dez anos, o lixo anual automobilístico é da ordem de cem mil por milhão, ocupando cerca de um quilômetro quadrado. Para tornar ainda mais sugestiva a argumentação, acrescente-se que, para uma mesma faixa de tráfego, digamos 3,5 m, o automóvel transporta dezessete vezes menos passageiros por hora do que o ônibus, vinte vezes menos do que o metrô, três vezes menos que a bicicleta, e pouco mais que a marcha a pé."

Assim, ciente da hipertrofia causada pelo automóvel, Ferraz dedicou-se com afinco às obras do metrô, praticamente paralisadas na administração de Maluf. Apesar de ter feito uma gestão curta, foi o prefeito que mais trabalhou para colocar em operação a primeira linha, a Norte-Sul, deixando-a em fase de testes quando foi obrigado a deixar o cargo. Porém, infelizmente, a sua lucidez foi o motivo de seu óbito político. Incomodou o ufanismo vigente ao levantar para o debate questões fundamentais, como a incapacidade do poder municipal em acompanhar a explosão do crescimento urbano desordenado com os serviços básicos necessários. Dizia que a cidade sofria de "encefalite urbana", "doença" que comprometia seu pleno desenvolvimento : "Como efeito colateral deste gigantismo surgem as deseconomias, em substituição às economias de escala geradas pela aglomeração de porte justo."

E ao dizer dramaticamente que "São Paulo precisa parar", foi interpretado ao pé da letra pela mediocridade política que grassava no auge do "milagre econômico" - prestes a sucumbir diante da alta dos preços do petróleo. O governador Laudo Natel, que o havia nomeado, demitiu-o com uma simples carta. Outros fatores também pesaram para sua desgraça política. Embora pressionado, recusava filiar-se à Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido oficial do regime militar. Além disso, contra a vontade de Natel, tentou fechar a fábrica de cimento Perus, na época a maior fonte poluidora da cidade.

Para a avenida Paulista havia feito um projeto de via expressa subterrânea para dar vazão aos carros que usam a avenida apenas como passagem, deixando as pistas de superfície para o trânsito local. Por baixo da via expressa correria o metrô e seria reformados convenientemente todos os equipamentos subterrâneos hoje saturados como tubulações de água, esgoto, gás e eletricidade. Seu sucessor, Miguel Colassuono, ignorou totalmente o projeto, cumprindo a orientação mesquinha de Laudo Natel, totalmente despida de qualquer critério urbanístico.

A Lei de Zoneamento em vigor atualmente foi concebida por Figueiredo Ferraz em 1972. Apesar de defasada em muitos aspectos e das modificações e violações sofridas ao longo do tempo, ainda é o único instrumento de ordenamento da ocupação espacial da cidade. Também em sua administração foi criada a Emurb (Empresa Municipal de Urbanização), dotando a Prefeitura de um órgão técnico voltado para o urbanismo.

Agência Estado